quinta-feira, 25 de agosto de 2011


A incrível retórica da extrema-esquerda sobre a agressão à Líbia


Setores da "esquerda" brasileira comemoram a conquista de Trípoli por parte dos "rebeldes" apoiados pelo imperialismo, saudando uma pretensa vitória popular contra uma "ditadura sanguinária" conduzida por Kadafi há 42 anos. 

Por Humberto Alencar


Auxiliados pelos ataques aéreos contra diversos alvos civis e militares na Líbia, os contrarrevolucionários conquistaram importantes posições na capital do país nos últimos dias, desalojando o exército líbio e forçando o governo do país a desaparecer, se não de momento, para sempre de cena.

Os "argumentos" para comemorar a aparente vitória do imperialismo são os mesmos usados para condenar governos soberanos e anti-imperialistas que existem no Oriente Médio: A brutalidade da ditadura, a repressão aos movimentos sociais, aos trabalhadores, às mulheres, os "crimes" contra os direitos humanos. 

Na maioria das vezes esses "argumentos" são dados pela mídia ocidental, controlada pelo imperialismo e que está a serviço da burguesia. A extrema-esquerda acredita que uma intervenção estrangeira abriria caminho para uma revolução, para a libertação desses povos. Mas os fatos desmentem essa crença.

A Líbia, sob governo de Kadafi, fez alianças econômicas e políticas com vários governos imperialistas europeus, nomeadamente França e Itália. Algo que é usado pela extrema-esquerda como prova de que o governo líbio estava intimamente ligado ao imperialismo.

Ao mesmo tempo das rebeliões na Tunísia e no Egito – quando os ditadores foram substituídos por "gestores de crise", abafando o processo revolucionário – a mídia começou a apresentar indícios de revolta na Líbia.

O país do norte da África encontra-se entre Tunísia e Egito. As condições econômicas da maioria da população líbia, de suas camadas médias, eram melhores que as de seus vizinhos orientais e ocidentais, isso no entanto não serviria para evitar uma revolta contra o poder vigente.

Setores descontentes da sociedade viram naquele momento uma oportunidade para tentar desencadear um processo revolucionário. Esses setores têm fortes contradições entre si. Estão ligados à antiga monarquia do rei Idris, à burguesia alijada do usufruto das riquezas nacionais, aos religiosos e aos inimigos dos clãs no poder.

Em fevereiro, a mídia apresentou os tais indícios de revolta. Ao mesmo tempo, mostrou cenas de repressão aos revoltosos. Dias depois, a mídia foi invadida por relatos de massacres provocados por "forças leais a Kadafi" – como se não houvesse um exército regular líbio de defesa – contra civis indefesos. Em contraste, vários jornalistas independentes negaram essas notícias.

A Líbia é um país de 6,5 milhões de habitantes que se dividem em centenas de tribos, ao longo da costa do Mediterrâneo, já que o centro e o sul do país não têm nada mais que um grande deserto. 

O imperialismo, diante da ameaça das revoluções em seus aliados do norte da África, não tomou qualquer atitude para evitar crimes contra os manifestantes. Não houve reação à repressão na Tunísia ou no Egito. Ao perceber que a situação caminhava para a perda do controle, o imperialismo preferiu substituir seus fantoches, como ocorreu nos países citados.

No Oriente Médio a situação também se degradou. As ditaduras do Iêmen e do Barein provocam um grande derramamento de sangue para conservar seu poder, obtendo auxílio do imperialismo e de países como Catar, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. No entanto, nenhuma ação concreta é tomada pelo imperialismo contra seus amigos.

Em editorial publicado na semana passada, o Portal Vermelho situa o momento histórico naquela região, mostra o caráter do governo Kadafi e de sua superação histórica, mas argumenta contra a intervenção imperialista porque ela se destina a aniquilar a defesa dos interesses dos povos, de seus direitos e da soberania nacional.

"Muamar Kadafi foi a seu tempo um líder nacionalista e anti-imperialista e, nas condições de profundo atraso econômico-social herdadas do colonialismo, fez louváveis esforços para construir uma nação soberana e dar proteção social a seu povo. Em circunstâncias históricas adversas, a liderança de Kadafi tornou-se caricata, ele próprio fez alianças com o inimigo e seu governo já não reunia condições de defender a independência do país e promover o progresso social", diz o editorial.

O petróleo, do qual a Líbia tem 3% das reservas mundiais, é o motivo direto da intervenção. Não faz sentido o imperialismo agredir um aliado, como pretensamente dizem os trotsquistas do PSTU em relação a Kadafi, ao mesmo tempo que lambem as feridas de outro aliado, o ditador iemenita Ali Abdulá Salé, para conter a rebelião no mundo árabe.

Não faz sentido que "amigos" de Kadafi, como Berlusconi e Sarkozy, dêem o pontapé inicial na agressão. Fossem assim, "amigos do líder líbio, teriam agido exatamente como agiram com Salé. Fossem "amigos de Kadafi, teriam deixado o líder líbio tomar conta dos contrarrevolucionários, já que estes estavam praticamente encurralados em Bengazi, prestes a cair, quando a agressão da Otan teve início. 

Diante de uma crise econômica catastrófica, haveria maneira melhor e mais barata de evitar uma nova rebelião, em território de um país que essa esquerda crê ser submisso aos interesses dos agressores?

De que gente é feita a tal "insurreição popular" de que fala o PSTU, sobre os contrarrevolucionários do CNT? O jornalista brasileiro Pepe Escobar – não comunista – descreve com grande propriedade os grupos que compõem os tais "rebeldes" que realizaram a "insurreição popular", em um artigo publicado na revista Asia Times e reproduzido no Vermelho: 

"Conflitos étnicos e tribais estão a ponto de explodir. Muitos dos berberes das montanhas do oeste, que entraram em Trípoli vindos do sul no fim de semana, são salafitas linha (muito) dura. O mesmo se deve dizer da 'nuvem' salafitas/Irmandade Muçulmana da Cirenaica – que recebeu instrução diretamente de agentes da CIA-EUA que estão na região. Dado que esses fundamentalistas 'usaram' os europeus e norte-americanos para aproximar-se do poder, ninguém duvide que se organizarão rapidamente como furioso grupo guerrilheiro, caso sintam-se marginalizados pelos chefões da Otan.

A tal grande 'revolução' com base em Bengazi, que foi vendida ao Ocidente como movimento popular, sempre foi mito. Há apenas dois meses, os 'revolucionários' armados mal chegavam a mil. A Otan então decidiu construir ela mesma um exército mercenário – que reuniu os tipos mais assustadores, de ex-membros de um esquadrão da morte colombiano a pessoal recrutado no Catar e nos Emirados Árabes Unidos, associados a tunisianos desempregados e membros das tribos inimigas da tribo de Kadafi. 

O pessoal é esse, acrescido de esquadrões de mercenários alugados pela CIA – salafitas em Bengazi e Derna – e a gangue da Irmandade Muçulmana, gente da equipe da Casa de Saud.

O chefe, Mustafa Abdel-Jalil, foi ministro da Justiça de Kadafi de 2007 até desertar, dia 26 de fevereiro de 2011, estudou direito civil e sharia na Universidade da Líbia. Talvez esteja habilitado a cruzar lanças retóricas com os fundamentalistas islâmicos em Benghazi, al-Baida e Delna, mas pode usar seus conhecimentos para fazer avançar seus interesses em algum novo arranjo do poder.

Mahmoud Jibril, presidente do conselho executivo do TNC, estudou na Universidade do Cairo e, depois, na University of Pittsburgh. É a principal conexão com o Catar: trabalhou na gestão do patrimônio de Sheikha Mozah, esposa superpoderosa do emir do Catar.

Há também o filho do último rei da Líbia, rei Idris, que Kadafi derrubou há 42 anos (em golpe sem derramamento de sangue). A Casa de Saud adoraria ver nascer uma nova monarquia no norte da África. E o filho de Omar Mukhtar, herói da resistência contra o colonialismo italiano – figura mais secular".

Historicamente, os contrarrevolucionários trotsquistas sempre trataram como verdadeiras as informações plantadas e disseminadas pela CIA. Foi sob esse prisma que analisaram o revisionismo que grassou nos Partidos Comunistas no poder na Europa Oriental. 

Foi sob esse prisma que defenderam as contrarrevoluções na Hungria e na Tchecoslováquia e que analisaram o movimento liquidacionista social-democrata polonês Solidarnosc, de Lech Walesa, ícone dos trotsquistas brasileiros na década de 1980. 

Enquanto Gorbatchov desmontava o que restara do socialismo na União Soviética – e o próprio país –, afirmavam que ali havia uma revolução socialista em curso. Hoje fazem loas aos "rebeldes" líbios e, indiretamente, às forças de agressão do Pacto Militar do Atlântico Norte.


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