Literatura, música, obras de arte, instrumentos, informação, educação e, sobretudo, memórias. Muitas, sempre. Para quem gosta de um bom mergulho cultural, não há local mais propício que adentrar um sebo – de preferência sem hora marcada para compromissos posteriores. Por mais caótico que seja, é lá onde encontramos parte significativa da história de qualquer sociedade. E sim, tenha certeza disso, há organização no caos. Essa máxima da Teoria do Caos é conjugada todos os dias, e com todas as letras, por Jácio Torres.
O sebista lembra que adquiriu várias bibliotecas antigas de intelectuais potiguares ao longo do tempo, e que guardava manuscritos e outras raridades para futura publicação. “Além dos livros e documentos, estava com um grande acervo de obras de Assis Marinho, a coleção completa de Jackson do Pandeiro, discos raros de Raul Seixas e do humorista Jacinto Silva, antiguidades...Tudo perdido”.
Mas Jácio Torres e sua fiel escudeira e companheira de vida Vera Gomes, sabem que não adianta ficar chorando pelo leite derramado: “Agora é trabalhar dobrado para reconstruir, pois pretendemos voltar a funcionar lá na Xavier da Silveira em breve”, afirmam em coro. “Bola pra frente que a vida continua!”, complementam cheios de otimismo. Além da loja em Nova Descoberta, que já funcionava no local há nove anos, a dupla ainda possui outros dois pontos: no Mercado de Petrópolis e na avenida Salgado Filho, ao lado do Bar do ex-Combatente, quase esquina com a Av. Bernardo Vieira.
As causas do incêndio ainda não foram identificadas, mas vizinhos do sebo informam que a causa pode ter partido de um curto circuito elétrico. “Os Bombeiros estão produzindo um laudo e já condenaram o prédio, mas a perícia é feita pelo Itep que está em greve”, diz Jácio. “A câmera de segurança de uma clínica que funciona em frente pode dar algumas pistas sobre o que aconteceu”, informou Vera.
Doações
O que conforta Jácio e Vera é o apoio dos amigos e o reconhecimento da sociedade pela contribuição cultural. “Estamos recebendo doações de clientes e amigos, gente de outros estados também estão ajudando”, adiantou Jácio. “Está vendo isso?! Esse é o motivo que nos faz ter força para seguir em frente”, diz o sebista ao receber livros e discos de um cliente antigo do Cata Livros. “Estou ganhando presentes a todo momento”, diz apontando uma pilha de LPs. “Olha só: disco dos Mutantes, o primeiro do Guilherme Arantes, um novinho da Joan Baez...”, entusiasma-se.
Enquanto a reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversava com Jácio, pelo menos cinco pessoas chegaram para fazer doações. “Estamos para receber mil livros de um sebo de Campina Grande (PB), o quase homônimo ‘O Cata Livro’, que é de uma parente do primeiro proprietário de Cata Livros, Antônio Capistrano”, contou Torres.
Jácio Torres começou sua trajetória com o tio no sebo Transalivros, que funcionava em frente ao cinema São Luiz no Alecrim (local onde hoje funciona o Banco do Brasil), na época “havia um movimento em frente aos cinemas de vendas de revistas e HQs”, lembra. “Nessa época, Vera vinha comprar livros para ficar me paquerando”, entrega o sebista.
Nos anos 1980, o Transalivros mudou para a Cidade Alta, e logo Jácio recebeu uma proposta de Antônio Capistrano para comprar o Cata Livros – resolveram adotar o nome com a devida permissão, e se estabeleceram numa casa ao lado do Instituto Histórico e Geográfico, onde ficaram por mais de 20 anos e chegaram a promover o Mercado das Artes – Espaço Cultural Poeta Jorge Fernandes, com outros sebistas da cidade como Abimael Silva, do Sebo Vermelho.
“Foi uma época bárbara, fizemos muitos amigos e a proposta tinha tudo para deslanchar com galeria de arte, local para shows... Aí veio o Plano Collor e ficamos sem nenhum tostão para manter o espaço. Também faltou apoio do poder público para continuarmos”, contou Vera, que garantiu fixar uma placa com os dizeres “Em breve estaremos de volta” no local onde funcionava a loja da Xavier da Silveira. “É perto de casa”, conclui.
O produtor cultural Nelson Rebouças adiantou que, em abril, deverá promover um show beneficente para tentar minimizar as perdas de, como bem escreveu o escritor Lívio Oliveira, “uma parte da memória literária do RN”.
Saiba mais
Templos informais da cultura, os primeiros sebos surgiram na Europa do século XVI, quando os mercadores começaram a vender a pesquisadores papiros e documentos importantes da época. Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, esses mascates eram chamados de alfarrabistas, nome que os acompanha até hoje em países como a França e Bélgica, onde a atividade dos sebistas é considerada essencial para historiadores e pesquisadores em geral.
O nome ‘sebo’ foi designado quando ainda não existia energia elétrica e as pessoas liam os livros à luz de velas. Essas velas acabavam sujando e engordurando os livros. Também há quem defenda que o termo seria um modo de caracterizar a sujeira que inevitavelmente se acumula quando um livro passava por várias mãos.
No Brasil, os primeiros sebos foram montados por intelectuais no Rio de Janeiro, no final do século XIX, e logo se espalharam pelo território nacional. Hoje em dia, eles também podem ser encontrados em endereços eletrônicos na internet.
Fonte: T.N. on line
fotos: emanuel amaralSebista desde a adolescência, Jácio Torres diz que perdeu mais de 100 mil livros no incêndio do Cata Livros da Xavier da Silveira: Agora é trabalhar dobrado para reconstruí-lo
Proprietário do Sebo Cata Livros, cujo acervo da loja matriz localizada na Av. Xavier da Silveira virou cinzas durante um incêndio ocorrido quarta-feira passada (dia 16), no bairro de Nova Descoberta, Jácio contou que o fogo consumiu mais de 100 mil livros, 30 mil vinis, quadros, objetos e uma infinidade de documentos. O sebista lembra que adquiriu várias bibliotecas antigas de intelectuais potiguares ao longo do tempo, e que guardava manuscritos e outras raridades para futura publicação. “Além dos livros e documentos, estava com um grande acervo de obras de Assis Marinho, a coleção completa de Jackson do Pandeiro, discos raros de Raul Seixas e do humorista Jacinto Silva, antiguidades...Tudo perdido”.
Mas Jácio Torres e sua fiel escudeira e companheira de vida Vera Gomes, sabem que não adianta ficar chorando pelo leite derramado: “Agora é trabalhar dobrado para reconstruir, pois pretendemos voltar a funcionar lá na Xavier da Silveira em breve”, afirmam em coro. “Bola pra frente que a vida continua!”, complementam cheios de otimismo. Além da loja em Nova Descoberta, que já funcionava no local há nove anos, a dupla ainda possui outros dois pontos: no Mercado de Petrópolis e na avenida Salgado Filho, ao lado do Bar do ex-Combatente, quase esquina com a Av. Bernardo Vieira.
As causas do incêndio ainda não foram identificadas, mas vizinhos do sebo informam que a causa pode ter partido de um curto circuito elétrico. “Os Bombeiros estão produzindo um laudo e já condenaram o prédio, mas a perícia é feita pelo Itep que está em greve”, diz Jácio. “A câmera de segurança de uma clínica que funciona em frente pode dar algumas pistas sobre o que aconteceu”, informou Vera.
Doações
O que conforta Jácio e Vera é o apoio dos amigos e o reconhecimento da sociedade pela contribuição cultural. “Estamos recebendo doações de clientes e amigos, gente de outros estados também estão ajudando”, adiantou Jácio. “Está vendo isso?! Esse é o motivo que nos faz ter força para seguir em frente”, diz o sebista ao receber livros e discos de um cliente antigo do Cata Livros. “Estou ganhando presentes a todo momento”, diz apontando uma pilha de LPs. “Olha só: disco dos Mutantes, o primeiro do Guilherme Arantes, um novinho da Joan Baez...”, entusiasma-se.
Enquanto a reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversava com Jácio, pelo menos cinco pessoas chegaram para fazer doações. “Estamos para receber mil livros de um sebo de Campina Grande (PB), o quase homônimo ‘O Cata Livro’, que é de uma parente do primeiro proprietário de Cata Livros, Antônio Capistrano”, contou Torres.
Jácio Torres começou sua trajetória com o tio no sebo Transalivros, que funcionava em frente ao cinema São Luiz no Alecrim (local onde hoje funciona o Banco do Brasil), na época “havia um movimento em frente aos cinemas de vendas de revistas e HQs”, lembra. “Nessa época, Vera vinha comprar livros para ficar me paquerando”, entrega o sebista.
Nos anos 1980, o Transalivros mudou para a Cidade Alta, e logo Jácio recebeu uma proposta de Antônio Capistrano para comprar o Cata Livros – resolveram adotar o nome com a devida permissão, e se estabeleceram numa casa ao lado do Instituto Histórico e Geográfico, onde ficaram por mais de 20 anos e chegaram a promover o Mercado das Artes – Espaço Cultural Poeta Jorge Fernandes, com outros sebistas da cidade como Abimael Silva, do Sebo Vermelho.
“Foi uma época bárbara, fizemos muitos amigos e a proposta tinha tudo para deslanchar com galeria de arte, local para shows... Aí veio o Plano Collor e ficamos sem nenhum tostão para manter o espaço. Também faltou apoio do poder público para continuarmos”, contou Vera, que garantiu fixar uma placa com os dizeres “Em breve estaremos de volta” no local onde funcionava a loja da Xavier da Silveira. “É perto de casa”, conclui.
O produtor cultural Nelson Rebouças adiantou que, em abril, deverá promover um show beneficente para tentar minimizar as perdas de, como bem escreveu o escritor Lívio Oliveira, “uma parte da memória literária do RN”.
Saiba mais
Templos informais da cultura, os primeiros sebos surgiram na Europa do século XVI, quando os mercadores começaram a vender a pesquisadores papiros e documentos importantes da época. Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, esses mascates eram chamados de alfarrabistas, nome que os acompanha até hoje em países como a França e Bélgica, onde a atividade dos sebistas é considerada essencial para historiadores e pesquisadores em geral.
O nome ‘sebo’ foi designado quando ainda não existia energia elétrica e as pessoas liam os livros à luz de velas. Essas velas acabavam sujando e engordurando os livros. Também há quem defenda que o termo seria um modo de caracterizar a sujeira que inevitavelmente se acumula quando um livro passava por várias mãos.
No Brasil, os primeiros sebos foram montados por intelectuais no Rio de Janeiro, no final do século XIX, e logo se espalharam pelo território nacional. Hoje em dia, eles também podem ser encontrados em endereços eletrônicos na internet.
Fonte: T.N. on line
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