Entrevista >> Jessier Quirino
"Nutro idolatria pela natureza do homem sertanejo"
Ele não é matuto, mas parece. Não é sertanejo, mas é entusiasta de lá. Convive com a gente chique, mas se inspira em camponeses natos. Enxerga as modernidades do progresso, mas prefere viver da nostalgia. Jessier Quirino parece a contradição em pessoa, mas exala autenticidade na poesia popular, na rima e na métrica. É o artista popular mais pop do Brasil. E aí mora outro paradoxo: a poesia popular é pop? Mas o paraibano sabe se colocar como artista e imprimir sua visão acerca da poesia matuta. Quem quiser conferir, além da entrevista abaixo, ele faz show neste sábado no Teatro Riachuelo. Só com poesia matuta renovada. Seria outra contradição?
Você não é matuto. De quais fontes você pesquisa para imprimir a cultura do camponês em sua poesia?
Nutro uma espécie de idolatria pela natureza do homem sertanejo. O caboclo de pé no chão viaja mais pelo coração do que pela cabeça, mas nos dá aula de sabedoria de como se desvencilhar da dureza do campo e da realidade. A partir daí vem o processo de observação que nos leva à prosa e à poesia.
Mas de onde parte suas influências?
Tenho influência forte da linha dos repentistas. Eles cantam os valores do campo com linguagem métrica muito apropriada. Outros poetas, mais antigos, também: Zé da Luz, Patativa do Assaré, Renato Caldas (poeta açuense), José Laurentino. Eles têm, digamos, essa linguagem campeira. Eram pessoas do campo. Bebo da fonte deles. Claro, coloco alguma contemporaneidade na poesia, também. Falar em estudiosos do sertão lembra Oswaldo Lamartine: um não-matuto exímio conhecedor das coisas do sertão. No caso de Oswaldo, ele é o sertanejo próprio, mas é também cientista. Talvez seja mais sertanejo do que todos nós. Ele conhece o sertão a partir da abordagem científica. No caso do matuto há a abordagem sentimental, até cômica do seu dia a dia. Então me inspiro também em obras de Oswaldo Lamartine pra imprimir em minha poesia elementos de pesquisa.
Lamartine, em sua última entrevista concedida, falou que o sertão não existe mais. Sua poesia sofre alterações junto com as modificações ocorridas no sertão?
Minha poesia é saudosista. Ela encontra aplausos nesse elmento. A modernidade tem de fato conseguido matar o sertão, que é tão forte. Como eu busco insistentemente a imagem poética, preciso fugir do cenário atual porque ele já não é poético. Por isso o meu poema é mais visto de forma pretérita. Procuro renovar, também. Tenho certa liberdade para isso e uma visão cosmopolita além da sertaneja. Isso acaba sendo uma coisa necessária, moderna. Mas a base do meu trabalho são as imagens antigas do sertão.
A poesia do sertão de nunca mais...
Pois é. Ainda do tempo dascancelas velhas. Quando colocarem vidros nas porteiras é porque o sertão acabou de vez.
O matuto é tratado de forma pejorativa em programas de humor. Por outro lado, há uma polêmica sobre quais os limites do humor. Como você vê isso?
Na arte o que se vê é a visão do diretor e do autor. Há total liberade pra criação. Falta é educação pra filtrar isso; saber o que é bom e ruim. E questionamos essas visões de mídia, mas assistimos quadrilhas juninas ou performnances que pejoram exageradamente o caboclo sertanejo. Vale a pena provocar a discussão a respeito.
Segundo show em Natal no ano e já com sessão extra. Essa aceitação acontece também no Sul e Sudeste?
É sempre por aqui. De Salvador pra cá. E Salvador bem menos. Salvador tem um segmento do lado de Tom Zé. Eles são muito arraigados; não permitem o outro chegar. E no Sul atendo mais à convite de empresa. É uma coisa mais dirigida. O espetáculo aberto é pouco viável pelos custos altos de produção. Não temos a mesma visiblidade vista aqui. Falta veiculação. Elá, o território é continental, é mais difícil de fazer mídia e teatro com isso, principalmente em TV.
E quanto à renovação de repertório. Quais as mudanças para este show?
Venho com espetáculo renovado. Até peço licença ao público para renovar porque são feito menino pequeno: querem ouvir o que já conhece e ainda põem reparo quando modificamos. Aí ficamos presos a algumas poesias como Vou embora pro passado, O matuto no cinema... E dessa vez eu vou só, com mais liberdade para criar e sem a rigidez imposta pelos músicos. Vou com a palavra. E convido as pessoas pra divdir a conversa como se estivesse no pé de um fogão.
Fonte: DNOnline
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