quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

REPÚBLICA DOS EXCLUÍDOS

Maria Betânia Monteiro - repórter

“Ser colocado para fora foi o nosso presente de ano novo”, disse o ativista cultural Lenilton Lima. “Depois desse abalo, não tenho como produzir. Estou tentando colocar meus pés no chão. Tenho cinco filhos, uma mulher para sustentar e estou sem dinheiro”, lamentou o artesão João Dionizio Nascimento. “Hoje o grupo completa 28 anos. A única coisa que temos para comemorar é a nossa resistência”, falou também revoltada a atriz do grupo Alegria Alegria, Gorette Barbosa. O lamento indignado dos integrantes da República das Artes aconteceu durante uma visita ao prédio que deveriam ocupar este ano caso a promessa tivesse sido cumprida.

fotos: adriano abreuPrédio do antigo cimento Zebu, na Ribeira, deveria se transformar em espaço cultural para grupos  e artesãos da antiga República das Artes. Em vez da reforma, prédio foi repassado pela CodernPrédio do antigo cimento Zebu, na Ribeira, deveria se transformar em espaço cultural para grupos e artesãos da antiga República das Artes. Em vez da reforma, prédio foi repassado pela Codern
Despejados da antiga TVU, onde agora funciona o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e também de um prédio comercial no bairro do Alecrim, os artistas demonstram o cansaço de sucessivas batalhas travadas com integrantes do governo municipal (através da Fundação Capitania das Artes), estadual (através da Fundação José Augusto) e membros de instituições federais como a UFRN e o IFRN; os mesmos que prometeram a implantação de uma escola de artes, no antigo depósito do cimento Zebu — localizado na esquina da Duque de Caxias com a Olavo Bilac, na Ribeira.

Lenilton e Dionizio constataram que o prédio está entregue ao mato e aos vândalos. A única forma de expressão artística no local são as figuras grafitadas nas paredes externas. O que eles não sabem é que o sonho de ver uma escola de artes funcionando no local é impossível, já que o prédio está sendo repassado para a Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN, como informou a superintendente estadual do Patrimônio Público da União, Yeda Cunha de Medeiros.

A reforma do prédio tinha sido uma promessa entre as instituições já citadas, numa reunião mediada pelo então Procurador da República, Fábio Nesi Venzon. “Na ocasião ouvimos muitas promessas. O assessor da Deputada Fátima Bezerra prometeu doar R$ 620 mil e os demais disseram que utilizariam todos os recursos disponíveis para a reforma do prédio”, explicou Lenilton.

Para que o antigo galpão fosse transformado numa escola de artes, ele deveria ter sido entregue a Fundação José Augusto. E para receber o prédio, a fundação deveria ter o projeto arquitetônico de reforma concluído, bem como orçamento garantido — o que não era o caso. A Deputada Fátima Bezerra disse ao VIVER que não prometeu dinheiro algum, muito embora tenha se comprometido em engajar-se politicamente para reformar o espaço.

A mobilização para transformar as ruínas do depósito em espaço cultural aconteceu depois que 26 grupos de artistas de circo, teatro e artesãos, foram obrigados a deixar o prédio da antiga TV Universitária no dia 22 de novembro de 2007. Eles ocupavam as salas para ensaiar, produzir, comercializar produtos, dar aulas e oficinas para a comunidade. O local foi transformado numa unidade do Instituto Federal do Rio Grande do Norte IFRN. “Nós vimos que fomos enganados. Tudo o que eles queriam era se livrar dos artistas”, falou Lenilton, indignado.

“Meu material está mofando no quintal”

Mesmo com os problemas de adequação, 11 grupos, incluindo artesãos, insistiram e permaneceram no galpão do Alecrim, já que não havia para onde ir. Um deles foi Dionizio Barbosa, que trabalha há 38 anos na confecção de produtos de sisal e macramê. “Passei 14 anos no prédio da antiga TVU, dentro de um projeto da UFRN, que mantinha uma associação de artesãos funcionando no local”, disse Dionizio. “Agora, não tenho mais onde trabalhar”.

Para piorar a situação do artesão de 59 anos, o espaço que ocupava no prédio do Alecrim teve que ser entregue ao proprietário no início do ano. O material bruto, utilizado na confecção de seus produtos está amontoado no quintal de sua casa, protegido da chuva por uma lona. “A minha sorte é que tenho um celular para receber encomendas”, comentou Dionizio. Mas quando questionado sobre sua produção, ele esboçou um sorriso nervoso e disse: “nada. Não tenho cabeça para isso”.

Além de não ter espaço para produzir e guardar o material, Dionizio lamenta não ter endereço fixo para realizar uma das suas principais atividades: dar aulas gratuitas aos interessados em aprender sua arte.

Sem teto para aulas, material, ensaios e produção de cenário também ficou o grupo Alegria Alegria. Eles estão retirando os pertences e distribuindo nas casas dos integrantes. “Com o material espalhado em 13 casas, não temos como realizar apresentações. Como é que a gente vai fazer, sair catando as coisas? Não dá”, explicou Gorette Barbosa.

Revoltada pelo fato do grupo ser uma referência para estado, afinal são 28 anos (completados ontem) atuando nas ruas e praças públicas, sem contrapartida de órgãos do governo, Gorette diz que tudo é um grande descaso: “Quem pode negar a existência do trabalho do grupo? Não temos valor aqui no RN, apenas fora. A gente só não trabalha mais, por falta de condições. É tudo tão absurdo, que a prefeitura chegou a ameaçar a prender os artistas, caso fizessem apresentações nas ruas sem autorização”.

As últimas chaves do prédio do Alecrim foram entregues ontem à tarde ao proprietário. A história de 26 grupos de teatro, que mais tarde se uniram numa associação chamada República das Artes está interrompida.

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