quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Renato Russo: é preciso cantar como se houvesse amanhã


Nesta terça (11) faz 15 anos que o grande poeta do rock brasileiro deixou nosso convívio, mas sua obra permanece viva nos corações e mentes dos jovens de todas as faixas etárias pelo país afora.

Por Marcos Aurélio Ruy*


Num dos versos mais cantados da música popular brasileira, o vocalista e líder do grupo Legião Urbana, diz que “é preciso amar como se não houvesse amanhã / porque se você para pra pensar / na verdade não há”. 

Renato Manfredini Júnior nasceu no Rio de Janeiro, em 27 de março de 1960, se transformaria no ídolo pop Renato Russo, como letrista do Legião Urbana, um dos grupos mais influentes do rock brasileiro. Ainda adolescente Renato passou mal bocado por portar a doença degenerativa epifisiólise, que poderia de tirar-lhe os movimentos das pernas. Ele passa por uma cirurgia e no período de convalescência dedica-se a ouvir muita música e ler livros. 

Começa o sonho de ser ídolo do rock. No sonho encontrou o nome “Eric Russell”, em homenagem ao filósofo inglês Bertrand Russell. Com sua voz de trovador medieval e sua poesia quase épica às vezes, Renato Russo teve identificação completa com os anseios de uma juventude ávida de direitos a serem conquistados.

A legião de fãs é tanta e tão fiel que muitos tratavam o grupo com o apelido “Religião Urbana”, mostrando absoluta devoção ao trio brasiliense. E mesmo o fim da banda decretado pelos outros dois integrantes, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, onze dias após a morte de Renato Russo, O número de fãs não para de crescer. O Legião Urbana, com a poesia de Renato Russo, traz em seu bojo, como diria Mário de Andrade, o “bom romantismo”, ou seja, o tipo de romantismo que eleva o tema amor à reflexão humana do que seja importante na vida, como amar e ser amado, sem pedantismo.

Antes do Legião, com 18 anos, Renato Russo formava a banda Aborto Elétrico com a qual faz seu primeiro show num bar de Brasília, onde moravam. No tempo em que permaneceu na cama, Renato sofre influência do som punk do vocalista do The Cure, Robert Smith e do também vocalista do grupo The Smiths, Morrissey. Também sofre influência, obviamente no mundo do rock, dos Beatles, de Jim Morrison dos Doors, de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Sex Pistols, entre outros, tudo isso misturado à também óbvia influência da bossa nova, do tropicalismo e de autores da MPB.

O Legião Urbana surge em 1982, mas só consegue gravar seu primeiro disco em 1985. Tem sucesso imediato por afinar-se muito bem com o grito de liberdade da juventude da década de 1980. Para o guitarrista da Plebe Rude, Philippe Seabra, “fomos forçados a criar nossa própria cultura. O que começamos do nada virou história” ao expressar o sentimento dos novos roqueiros sobre a falta de espaço para a juventude brasiliense e brasileira. Espaço insuficiente que os jovens ainda hoje reclamam. Mas, felizmente, os roqueiros brasilienses, resolveram o problema com arte ao partir para a criação de músicas e com isso encantar multidões pelo país e pelo mundo. 

Geração coca-cola e a obra de Renato e sua trupe


Composta em 1979 em plena anistia política conquistada no Brasil, uma das músicas que mais marcariam o sucesso da banda foi “Geração Coca-cola”, em cuja letra diz: “Desde pequenos nós comemos lixo/Comercial e industrial / Mas agora chegou a nossa vez/Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”, nada mais punk, e no refrão cantam “geração coca-cola...” para mostrar a alienação presente na maioria dos jovens brasileiros na época. Outras músicas marcaram definitivamente a trajetória de Renato Russo e do Legião Urbana, banda homenageada no Rock in Rio deste ano. 

Quem já não cantou “Que País é Esse”, muitas vezes usada por gente que trabalha contra o Brasil em críticas conservadoras e moralistas degenerando o Congresso nacional, misturando alhos com bugalhos, como no discurso de Dinho Ouro Preto, do grupo Capital Inicial, no Rock in Rio onde disse que “esquerda e direita são todos iguais” e “não se deve confiar nos políticos”, sem mostrar compreensão das mudanças que ocorreram no Brasil nos últimos 9 anos. Na canção o ídolo do rock canta: “Na morte eu descanso / Mas o sangue anda solto / Manchando os papeis / Documentos fieis / Ao descanso do patrão... Que país é esse”.

Um dos maiores sucesso do Legião, “Faroeste Caboclo”, também de 1979, mas gravada em 1987, vai virar filme de nome homônimo, com direção de Renê Sampaio, programado para ser lançado neste ano. Outro filme “Somos Tão Jovens”, que pretende contar faceta desconhecida do músico brasileiro, também está para ser lançado. “O mais interessante é que estou fazendo a parte desconhecida de uma história conhecida”, afirma o diretor do filme Antonio Carlos da Fontoura, diretor do filme, que pode ter seus detalhes apreciados no site www.somostaojovens.com.br. Vale conferir o conteúdo dessas duas obras.

Muitos outros sucessos do grupo são cantados pelos jovens brasileiros. Canções como “Eduardo e Mônica”, “Tempo Perdido”, “Giz”, “Pais e Filhos”, “Índios”, “Eu Era um Lobisomem Juvenil”, “Teatro dos Vampiros”, “Meninos e Meninas”, ele também musicou poema de Luís de Camões, “Monte Castelo”, dos “Lusíadas”, e a transformou numa das belas canções de amor do país, e muitos outros sucessos. Na canção “Há tempos” diz: “Disciplina é liberdade Compaixão é fortaleza / Ter bondade é ter coragem / Lá em casa tem um poço Mas a água é muito limpa…” Já na música “Será” ele canta: “Será só imaginação? / Será que nada vai acontecer? / Será que é tudo isso em vão? / Será que não vamos conseguir vencer?”, em 1984 na fase derradeira da ditadura.

Renato Russo morreu vítima do vírus HIV (AIDS) em no dia 11 de outubro de 1996. Perdia-se um dos maiores poetas da música popular brasileira ao lado de Cazuza, Arnaldo Antunes e Herbert Vianna, sob influência de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e outros, sempre em defesa da liberdade, da justiça social, da vida boa para todos.

Alguns vídeos de suas músicas:



Faroeste Caboclo (1979)
Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da sertania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu
Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria, escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze, foi mandado pro o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.
Não entendia como a vida funcionava
Discriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.
E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar
Dizia ele: "Estou indo pra Brasília
Neste país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar"
E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal
"Meu Deus, mas que cidade linda,
No Ano-Novo eu começo a trabalhar"
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga
Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar
E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado, a plantação foi começar.
Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
"Tem bagulho bom ai!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali.
Fez amigos, frequentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinho da cidade
Começou a roubar.
Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
"Vocês vão ver, eu vou pegar vocês"
Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
"Maria Lúcia pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter"
O tempo passa e um dia vem na porta
Um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta do João
"Não boto bomba em banca de jornal
Nem em colégio de criança isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cu na mão
E é melhor senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
"Você perdeu sua vida, meu irmão"
"Você perdeu a sua vida meu irmão
Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
Eu vou sofrer as consequências como um cão"
Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina
Mas acontece que um tal de Jeremias,
Traficante de renome, apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que, com João ele ia acabar
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar
Jeremias, maconheiro sem-vergonha
Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
Se dizia que era crente mas não sabia rezar
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
"Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já tá em tempo de a gente se casar"
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez
Santo Cristo era só ódio por dentro
E então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia
Em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor
E o Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão
No sábado então, às duas horas,
Todo o povo sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
"Se a via-crucis virou circo, estou aqui"
E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu
"Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é
E não atiro pelas costas não
Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha
Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão"
E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor
E o povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade
Não acreditou na história que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz...
Sofrer...



Há Tempos (1989)


Parece cocaína
Mas é só tristeza
Talvez tua cidade
Muitos temores nascem
Do cansaço e da solidão
Descompasso, desperdício
Herdeiros são agora
Da virtude que perdemos...
Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro...
Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acostumados
A não termos mais nem isso...
Os sonhos vêm e os sonhos vão
E o resto é imperfeito...
Dissestes que se tua voz
Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira...
E há tempos
Nem os santos têm ao certo
A medida da maldade
E há tempos são os jovens
Que adoecem
E há tempos
O encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
Só o acaso estende os braços
A quem procura
Abrigo e proteção...
Meu amor!
Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem (Ela disse)
Lá em casa tem um poço
Mas a água é muito limpa...

Será (1984)
Tire suas mãos de mim!
Eu não pertenço a você.
Não é me dominando assim
Que você vai me entender.

Eu posso estar sozinho,
Mas eu sei muito bem aonde estou.
Você pode até duvidar.
Acho que isso não é amor.

Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?

Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação.
Serão noites inteiras,
Talvez por medo da escuridão.

Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução.
Prá que esse nosso egoísmo,
Não destrua nosso coração.

Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?

Brigar prá quê se é sem querer?
Quem é que vai nos proteger?
Será que vamos ter que responder
Pelos erros a mais, eu e você?

http://www.youtube.com/watch?v=jmkCk5EmSG0
Tempo Perdido (1986)
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo...
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente

Não temos tempo a perder...
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!...

Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos...
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo...

Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...
Tão Jovens! Tão Jovens!...



Fonte: Portal Vermelho

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