Ciro Marques - repórter
O comerciante Elizeu Eufrasino de Oliveira, de 48 anos, confessou ter ateado fogo no morador de rua Luciano Santos de Souza, também conhecido como “Carequinha”, 33. A informação é do delegado responsável pela investigação do caso, Natanion de Freitas, titular da 3ª Delegacia de Polícia, no Alecrim, zona Leste de Natal.
Além de confessar a tentativa de homicídio, o comerciante teria dito também, segundo o delegado, que a intenção não era atear fogo em “Carequinha”, mas sim em outro morador de rua, Clemisson Martiliano da Silva, 31. Ele, no entanto, acabou sendo a principal testemunha do caso. “Vi tudo. Antes, o comerciante me disse para não dormir que ele iria comprar gasolina para tocar fogo na gente. Não dormi e vi quando ele chegou com gasolina, jogou no ‘Carequinha’ e tocou fogo. Ele estava bêbado”, contou Clemisson, em depoimento na terça-feira, na 3ª DP .
O crime aconteceu por volta da meia-noite de terça-feira. “Carequinha” teria conseguido apagar, sozinho, o fogo de seu corpo e foi, em seguida, atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que o encaminhou para o hospital Walfredo Gurgel, onde ainda está internado sem previsão de alta. “Conversei com ele pela manhã (ontem) e vi que está somente com o rosto e a perna, do joelho para baixo, sem ser enfaixado. Está com mais de 80% do corpo queimado”, contou o delegado.
“Carequinha” disse que foi morar na rua com apenas oito anos e que nunca fez confusão com ninguém, sobretudo, da avenida Coronel Estevam, também conhecida como avenida 9, no Alecrim, onde estava dormindo na madrugada da tentativa de homicídio. “Isso, não se faz nem com um animal. Será que já não era sofrimento suficiente para ele estar dormindo na rua, debaixo de chuva?”, questionou o delegado Natanion.
Luzinete Silva Pereira, 31, que também é moradora de rua, contou que estava ao lado de “Carequinha” no momento do incidente e disse não saber o porquê da atitude do comerciante. “Estava dormindo, quando senti algo quente do meu lado e vi que era ele debaixo do fogo. Fiquei apavorada. Ele começou a se debater, tentando apagar as chamas. Não sei o porquê disso, nem na calçada do comerciante estávamos dormindo”, contou ela. Os dois estavam na frente da loja Mória Eletrônica, a cerca de 20 metros do ponto comercial de Elizeu Eufrasino de Oliveira, a Ar Kent Resistências Elétricas.
Além dos dois moradores de rua, o delegado teve como testemunha o frentista de um posto de combustível, que teria reconhecido o comerciante como comprador de gasolina na noite do crime. O frentista reconheceu não só Elizeu Oliveira, como também o carro dele. Disse que o comerciante esteve no posto, comprou gasolina e pediu para colocá-la em uma garrafa, no final da noite de segunda-feira”, afirmou o delegado Natanion de Freitas.
Advogada faz críticas a delegado
A advogada Brenda Martins, que defende Elizeu Oliveira e a mulher dele, Vanderleia Negreiros de Lima, concedeu entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE e afirmou que o delegado Natanion de Freitas, responsável pela prisão do casal, usou de “práticas ardilosas” (coação, tortura) para obter a confissão. “Saí às 20h e meu cliente já estava sendo encaminhado para a carceragem. Por que ele confessou após minha saída, sem a presença da advogada? Ele disse ao delegado que só falaria em juízo”.
Ela afirmou, ainda, que duas testemunhas chaves que viram o ato praticado por Elizeu Oliveira, descartaram a participação da mulher dele. “O delegado não pode apenas se basear no depoimento dos moradores de rua. As testemunhas chave afirmaram que não viram Vanderléia participando do atentado”.
A advogada acompanhou seu cliente durante todo o dia de terça-feira e diz que foi ameaçada de prisão por desacato à autoridade. “Na próxima audiência, vou levar um habeas corpus preventivo para trabalhar à vontade, porque estava conversando com testemunhas para entender o caso e o delegado disse que eu seria presa. Não podia abrir a boca, porque senão seria presa”.
A advogada afirmou que presenciou outros flagrantes ao longo do dia no qual o delegado, segundo ela, dizia: “Ou fala ou vai dar uma volta com os nossos policiais”. Brenda estranhou a confissão do seu cliente. (Ricardo Araújo)
Relatos de quem tem como morada a rua
Roberta Trindade - repórter
Na calada da noite, lá estava ele, encostado na parede pintada de cor bordô e sentado em um colchão, bem velho. Com um pedaço de bolo da Moça nas mãos - comia com tanto gosto que parecia ser o alimento mais gostoso que ele já havia degustado na vida. Na outra mão, um copo com café bem quentinho. O bolo e o café foram doados por um morador da avenida Coronel Estevam, no Alecrim. Depois de se alimentar, Clemilssom Martiliano da Silva, 31, ajeitou (esticou) o corpo no colchão e disse que pretendia dormir a noite inteira, isso se nenhum “maluco” aparecesse para atear fogo nele. Clemilsson estava assustado com o que aconteceu com o colega de rua Luciano Santos – que teve parte do corpo queimado após um casal (Elizeu Eufrázio de Oliveira e a mulher dele) jogar um líquido químico no corpo da vítima e quase matá-lo, na noite de terça-feira passada.
Clemilsson parece ser mais uma vitima de uma sociedade ineficiente e de um poder público que está longe de resolver os problemas de uma população desamparada. Começou a usar droga quando ainda tinha 16 anos. A maconha era o entorpecente que fazia o adolescente “enlouquecer”. O tempo foi passando, as drogas evoluindo e Clemilsson ficando cada vez mais viciado. Hoje , como ele mesmo define: “usa todo tipo de droga”, mas gosta mesmo é do crack. Para conseguir manter o vício, acorda cedo, por volta das 7 horas da manhã, enrola o colchão que ele recuperou do lixo, deixa guardado em um cantinho e segue atrás de ferro-velho e latinhas. Tudo o que consegue é mesmo para alimentar o vicio, mesmo que, para isso, precise passar o dia inteiro com fome e a madrugada também.
Pai de três filhos e separado da mulher vive na rua há cinco anos. “Meus filhos estão com minha mãe e minha ex-mulher já casou novamente. Não lembra mais que eu existo. São poucas as mulheres, hoje em dia, que se preocupam com os homens. Poderia morar com minha mãe em Felipe Camarão, mas não dá certo poque sou um drogado”, lamentou.
Clemilsson conta que quando usa drogas, vive um momento de alucinação, mas que depois que o efeito passa ele se arrepende. “Gostaria de conseguir um tratamento. Um médico que pudesse me ajudar a me livrar desse vício”.
Questionado sobre o que ele almeja para 2011, o mendigo afirma que não tem expectativas. “Deixei de sonhar há muito tempo”.
Mais uma tentativa e ele acaba abrindo o jogo: “Queria poder ser servente de pedreiro. Gosto desse trabalho. Também tenho vontade de comer carne assada com macaxeira e tomar uma lata de Coca-Coca. Chega a me dar água na boca só de pensar”.
Mas, Clemilsson não é o único que tem apenas a noite como companhia. ? fácil encontrar outros mendigos nas ruas do bairro do Alecrim ou em outras localidades da cidade.
Na avenida Prudente de Moraes, por exemplo, uma das principais vias de circulação de veículos é um ponto onde vários mendigos dormem. Na marquise da empresa Miranda Computação a TN encontrou 13 pessoas – 12 homens e uma mulher. Todos dormiam no chão, alguns tinham apenas um papelão para amortecer a dormida.
Arredios, no começo foi difícil iniciar uma conversa, mas com paciência, alguns deles acabaram contando as dificuldades de morar na rua. A fome, a sede, o sono, o medo, a ausência da família. A dificuldade de uma vida sem expectativas, sem esperanças de dias melhores. Assim são os dias e noites destes mendigos esquecidos pela sociedade.
Poeta justifica suas opções e fala sobre Deus
“Um dia feliz, às vezes, é muito raro. Já dizia a letra da música de uma banda famosa. E assim como a letra, a vida desses moradores de rua parece cada vez mais piorar. Apesar da dificuldade não é difícil encontrar pessoas com uma essência fascinante. Assim é Francisco de Assis Moreno, 56, que já começa a conversa declamando uma poesia. Por falar muito rápido é difícil entender tudo, porém alguns trechos do poema ficam claros; “O silêncio surge do sim e do não. E porque o silêncio? Se é tão bom ouvir a voz da pessoa amada....”. Ele é conhecido entre os moradores de rua como o “Poeta”. “Já escrevi dois livros, fui proprietário de duas padarias, mas perdi tudo e estou na rua há 16 anos. Fico um tempo aqui, outro ali e vou vivendo assim, até a hora que Deus (olha para o céu) quiser”.
Poeta é pai de dois filhos, um rapaz de 23 anos e uma garota de 16. É difícil entender o que realmente aconteceu para que ele, mesmo com uma família formada esteja vivendo em condições tão subumanas. Ao falar da família é visível ver o poeta com os olhos cheios de lágrima. Questionado sobre como será o Natal, ele é frio. “Aqui mesmo (na rua)”.
Sobre o futuro ele passa a responsabilidade para Deus: “A sorte é o cara lá de cima que dá”.
Reginaldo Rocha, 37, é outro morador de rua que se disponibilizou a falar. “Estou aqui há quatro meses. Tenho minha carroça e pego objetos velhos na rua. Dá para ganhar um dinheirinho”.
Reginaldo conta que a família mora na Vila de Ponta Negra, mas que ele prefere a rua a ter que morar com a família. “A gente é sozinho mesmo. Não existe amigo, não há ninguém para dar apoio”.
Mas não é bem assim, durante a entrevista dez casais da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, localizada em Petrópolis chegaram em dois veículos com um panelão de “Vaca Atolada” - um caldo grosso feito com macaxeira e carne. Antes de receberem o alimento foi formada uma roda e todos rezaram. Depois muita comida para todos. Uma das mais animadas em ajudar os mendigos era Maria das Dores do Nascimento, 38. “É a primeira vez que estamos vindo aqui. Vimos o que aconteceu com o mendigo que atearam fogo e nós queremos promover a paz”.
Depois de rezar e se alimentar, o grupo foi embora e os moradores de rua puderam dormir bem alimentados.
Psicólogo
O mestre em psicologia Remerson Russel Martins, 29 explica que apesar de muitos moradores de rua terem família e viverem à mercê da sociedade não é de se estranhar que eles prefiram continuar a ser mendigos. “Família não é tão simples assim. Entendemos que a família representa apoio, segurança, porém, nem sempre isso acontece. Existem famílias desestruturadas e por isso, muitos preferem viver na rua”.
Remerson avalia ainda a situação dos viciados em drogas. “Existem pessoas que preferem morar na rua porque podem manter o vício. Eles têm a liberdade que precisam. Em casa, junto à família não poderia fazer o mesmo (usar drogas)”.
Mas porque viver na rua passando fome se em casa existe abrigo e alimentação? Para o psicólogo , se realmente na rua não houvesse o que comer, ninguém seria mendigo. “Mesmo que seja minimamente, ou que não se consiga fazer três refeições durante o dia, é possível comer, beber água e dormir, por este motivo muitos continuam vivendo nas ruas”. (R.T)
O comerciante Elizeu Eufrasino de Oliveira, de 48 anos, confessou ter ateado fogo no morador de rua Luciano Santos de Souza, também conhecido como “Carequinha”, 33. A informação é do delegado responsável pela investigação do caso, Natanion de Freitas, titular da 3ª Delegacia de Polícia, no Alecrim, zona Leste de Natal.
emanuel amaralClemilsson Martiliano da Silva conta como é a sua rotina nas ruas
Segundo o delegado, o flagrante foi terminado somente por volta das 23h de terça-feira. Isso, porque a confissão do comerciante só foi assinada às 22h. “Ele e a mulher (Vanderleia Negreiros de Lima, 38) foram autuados por tentativa de homicídio triplamente qualificado e devem permanecer presos”, afirmou o delegado Natanion. A mulher foi autuada porque algumas testemunhas a viram entregar os fósforos a Elizeu Eufrasino e, consequentemente, participar do crime. O comerciante está preso na Delegacia de Plantão da zona Sul e a companheira, no Presídio Provisório Feminino na zona Norte. Além de confessar a tentativa de homicídio, o comerciante teria dito também, segundo o delegado, que a intenção não era atear fogo em “Carequinha”, mas sim em outro morador de rua, Clemisson Martiliano da Silva, 31. Ele, no entanto, acabou sendo a principal testemunha do caso. “Vi tudo. Antes, o comerciante me disse para não dormir que ele iria comprar gasolina para tocar fogo na gente. Não dormi e vi quando ele chegou com gasolina, jogou no ‘Carequinha’ e tocou fogo. Ele estava bêbado”, contou Clemisson, em depoimento na terça-feira, na 3ª DP .
O crime aconteceu por volta da meia-noite de terça-feira. “Carequinha” teria conseguido apagar, sozinho, o fogo de seu corpo e foi, em seguida, atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que o encaminhou para o hospital Walfredo Gurgel, onde ainda está internado sem previsão de alta. “Conversei com ele pela manhã (ontem) e vi que está somente com o rosto e a perna, do joelho para baixo, sem ser enfaixado. Está com mais de 80% do corpo queimado”, contou o delegado.
“Carequinha” disse que foi morar na rua com apenas oito anos e que nunca fez confusão com ninguém, sobretudo, da avenida Coronel Estevam, também conhecida como avenida 9, no Alecrim, onde estava dormindo na madrugada da tentativa de homicídio. “Isso, não se faz nem com um animal. Será que já não era sofrimento suficiente para ele estar dormindo na rua, debaixo de chuva?”, questionou o delegado Natanion.
Luzinete Silva Pereira, 31, que também é moradora de rua, contou que estava ao lado de “Carequinha” no momento do incidente e disse não saber o porquê da atitude do comerciante. “Estava dormindo, quando senti algo quente do meu lado e vi que era ele debaixo do fogo. Fiquei apavorada. Ele começou a se debater, tentando apagar as chamas. Não sei o porquê disso, nem na calçada do comerciante estávamos dormindo”, contou ela. Os dois estavam na frente da loja Mória Eletrônica, a cerca de 20 metros do ponto comercial de Elizeu Eufrasino de Oliveira, a Ar Kent Resistências Elétricas.
Além dos dois moradores de rua, o delegado teve como testemunha o frentista de um posto de combustível, que teria reconhecido o comerciante como comprador de gasolina na noite do crime. O frentista reconheceu não só Elizeu Oliveira, como também o carro dele. Disse que o comerciante esteve no posto, comprou gasolina e pediu para colocá-la em uma garrafa, no final da noite de segunda-feira”, afirmou o delegado Natanion de Freitas.
Advogada faz críticas a delegado
A advogada Brenda Martins, que defende Elizeu Oliveira e a mulher dele, Vanderleia Negreiros de Lima, concedeu entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE e afirmou que o delegado Natanion de Freitas, responsável pela prisão do casal, usou de “práticas ardilosas” (coação, tortura) para obter a confissão. “Saí às 20h e meu cliente já estava sendo encaminhado para a carceragem. Por que ele confessou após minha saída, sem a presença da advogada? Ele disse ao delegado que só falaria em juízo”.
Ela afirmou, ainda, que duas testemunhas chaves que viram o ato praticado por Elizeu Oliveira, descartaram a participação da mulher dele. “O delegado não pode apenas se basear no depoimento dos moradores de rua. As testemunhas chave afirmaram que não viram Vanderléia participando do atentado”.
A advogada acompanhou seu cliente durante todo o dia de terça-feira e diz que foi ameaçada de prisão por desacato à autoridade. “Na próxima audiência, vou levar um habeas corpus preventivo para trabalhar à vontade, porque estava conversando com testemunhas para entender o caso e o delegado disse que eu seria presa. Não podia abrir a boca, porque senão seria presa”.
A advogada afirmou que presenciou outros flagrantes ao longo do dia no qual o delegado, segundo ela, dizia: “Ou fala ou vai dar uma volta com os nossos policiais”. Brenda estranhou a confissão do seu cliente. (Ricardo Araújo)
Relatos de quem tem como morada a rua
Roberta Trindade - repórter
Na calada da noite, lá estava ele, encostado na parede pintada de cor bordô e sentado em um colchão, bem velho. Com um pedaço de bolo da Moça nas mãos - comia com tanto gosto que parecia ser o alimento mais gostoso que ele já havia degustado na vida. Na outra mão, um copo com café bem quentinho. O bolo e o café foram doados por um morador da avenida Coronel Estevam, no Alecrim. Depois de se alimentar, Clemilssom Martiliano da Silva, 31, ajeitou (esticou) o corpo no colchão e disse que pretendia dormir a noite inteira, isso se nenhum “maluco” aparecesse para atear fogo nele. Clemilsson estava assustado com o que aconteceu com o colega de rua Luciano Santos – que teve parte do corpo queimado após um casal (Elizeu Eufrázio de Oliveira e a mulher dele) jogar um líquido químico no corpo da vítima e quase matá-lo, na noite de terça-feira passada.
Clemilsson parece ser mais uma vitima de uma sociedade ineficiente e de um poder público que está longe de resolver os problemas de uma população desamparada. Começou a usar droga quando ainda tinha 16 anos. A maconha era o entorpecente que fazia o adolescente “enlouquecer”. O tempo foi passando, as drogas evoluindo e Clemilsson ficando cada vez mais viciado. Hoje , como ele mesmo define: “usa todo tipo de droga”, mas gosta mesmo é do crack. Para conseguir manter o vício, acorda cedo, por volta das 7 horas da manhã, enrola o colchão que ele recuperou do lixo, deixa guardado em um cantinho e segue atrás de ferro-velho e latinhas. Tudo o que consegue é mesmo para alimentar o vicio, mesmo que, para isso, precise passar o dia inteiro com fome e a madrugada também.
Pai de três filhos e separado da mulher vive na rua há cinco anos. “Meus filhos estão com minha mãe e minha ex-mulher já casou novamente. Não lembra mais que eu existo. São poucas as mulheres, hoje em dia, que se preocupam com os homens. Poderia morar com minha mãe em Felipe Camarão, mas não dá certo poque sou um drogado”, lamentou.
Clemilsson conta que quando usa drogas, vive um momento de alucinação, mas que depois que o efeito passa ele se arrepende. “Gostaria de conseguir um tratamento. Um médico que pudesse me ajudar a me livrar desse vício”.
Questionado sobre o que ele almeja para 2011, o mendigo afirma que não tem expectativas. “Deixei de sonhar há muito tempo”.
Mais uma tentativa e ele acaba abrindo o jogo: “Queria poder ser servente de pedreiro. Gosto desse trabalho. Também tenho vontade de comer carne assada com macaxeira e tomar uma lata de Coca-Coca. Chega a me dar água na boca só de pensar”.
Mas, Clemilsson não é o único que tem apenas a noite como companhia. ? fácil encontrar outros mendigos nas ruas do bairro do Alecrim ou em outras localidades da cidade.
Na avenida Prudente de Moraes, por exemplo, uma das principais vias de circulação de veículos é um ponto onde vários mendigos dormem. Na marquise da empresa Miranda Computação a TN encontrou 13 pessoas – 12 homens e uma mulher. Todos dormiam no chão, alguns tinham apenas um papelão para amortecer a dormida.
Arredios, no começo foi difícil iniciar uma conversa, mas com paciência, alguns deles acabaram contando as dificuldades de morar na rua. A fome, a sede, o sono, o medo, a ausência da família. A dificuldade de uma vida sem expectativas, sem esperanças de dias melhores. Assim são os dias e noites destes mendigos esquecidos pela sociedade.
Poeta justifica suas opções e fala sobre Deus
“Um dia feliz, às vezes, é muito raro. Já dizia a letra da música de uma banda famosa. E assim como a letra, a vida desses moradores de rua parece cada vez mais piorar. Apesar da dificuldade não é difícil encontrar pessoas com uma essência fascinante. Assim é Francisco de Assis Moreno, 56, que já começa a conversa declamando uma poesia. Por falar muito rápido é difícil entender tudo, porém alguns trechos do poema ficam claros; “O silêncio surge do sim e do não. E porque o silêncio? Se é tão bom ouvir a voz da pessoa amada....”. Ele é conhecido entre os moradores de rua como o “Poeta”. “Já escrevi dois livros, fui proprietário de duas padarias, mas perdi tudo e estou na rua há 16 anos. Fico um tempo aqui, outro ali e vou vivendo assim, até a hora que Deus (olha para o céu) quiser”.
Poeta é pai de dois filhos, um rapaz de 23 anos e uma garota de 16. É difícil entender o que realmente aconteceu para que ele, mesmo com uma família formada esteja vivendo em condições tão subumanas. Ao falar da família é visível ver o poeta com os olhos cheios de lágrima. Questionado sobre como será o Natal, ele é frio. “Aqui mesmo (na rua)”.
Sobre o futuro ele passa a responsabilidade para Deus: “A sorte é o cara lá de cima que dá”.
Reginaldo Rocha, 37, é outro morador de rua que se disponibilizou a falar. “Estou aqui há quatro meses. Tenho minha carroça e pego objetos velhos na rua. Dá para ganhar um dinheirinho”.
Reginaldo conta que a família mora na Vila de Ponta Negra, mas que ele prefere a rua a ter que morar com a família. “A gente é sozinho mesmo. Não existe amigo, não há ninguém para dar apoio”.
Mas não é bem assim, durante a entrevista dez casais da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, localizada em Petrópolis chegaram em dois veículos com um panelão de “Vaca Atolada” - um caldo grosso feito com macaxeira e carne. Antes de receberem o alimento foi formada uma roda e todos rezaram. Depois muita comida para todos. Uma das mais animadas em ajudar os mendigos era Maria das Dores do Nascimento, 38. “É a primeira vez que estamos vindo aqui. Vimos o que aconteceu com o mendigo que atearam fogo e nós queremos promover a paz”.
Depois de rezar e se alimentar, o grupo foi embora e os moradores de rua puderam dormir bem alimentados.
Psicólogo
O mestre em psicologia Remerson Russel Martins, 29 explica que apesar de muitos moradores de rua terem família e viverem à mercê da sociedade não é de se estranhar que eles prefiram continuar a ser mendigos. “Família não é tão simples assim. Entendemos que a família representa apoio, segurança, porém, nem sempre isso acontece. Existem famílias desestruturadas e por isso, muitos preferem viver na rua”.
Remerson avalia ainda a situação dos viciados em drogas. “Existem pessoas que preferem morar na rua porque podem manter o vício. Eles têm a liberdade que precisam. Em casa, junto à família não poderia fazer o mesmo (usar drogas)”.
Mas porque viver na rua passando fome se em casa existe abrigo e alimentação? Para o psicólogo , se realmente na rua não houvesse o que comer, ninguém seria mendigo. “Mesmo que seja minimamente, ou que não se consiga fazer três refeições durante o dia, é possível comer, beber água e dormir, por este motivo muitos continuam vivendo nas ruas”. (R.T)
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